quarta-feira, 25 de julho de 2018

Biorregionalização

por Perci Guzzo *



É verdade! Ontem no almoço comi arroz com atemoia e abacate. E na última garfada veio uma baratinha francesa tostadinha. Creio que fossem os mantimentos que haviam à disposição na cozinha do restaurante “vegetariano” taiwanês. O sal rosa do Himalaia, o feijão carioquinha do Rio Grande do Sul e o chuchu do Amapá não chegavam até a despensa do sr. Lee Ping Pong desde quarta-feira retrasada devido à greve dos caminhoneiros.

Come-se o que tem; as frutas da estação; por que, não? As cidades importam do meio natural e rural quantidades fabulosas de insumos para se manterem funcionando, principalmente alimentos, combustíveis, eletricidade e água. Processam essa gama de energia e matéria para fazer funcionar toda a engrenagem das atividades humanas. E assim, geram e exportam gases tóxicos, fuligem, ruídos, esgotos domésticos, efluentes industriais e lixo; muito lixo! Extensas áreas são impactadas pelos resíduos de uma metrópole. Esse é o conceito de metabolismo urbano.

Nos dias de crise pelo desabastecimento de combustível, ao perceber a escassez de alimentos perecíveis nos mercados e quitandas, pensei de imediato que a produção de alimentos do sítio Divindade, localizado entre Sales Oliveira e Jardinópolis, poderia me socorrer. Xuva, cadê você? Uma outra amiga sugeriu que fôssemos para seu quintal ampliar a produção de folhas, legumes e raízes. Acostumei com a ideia de fazer os trajetos do dia-a-dia de bicicleta e a pé. Ainda mais agora que o quadril e joelhos estão ótimos!

As crises nos pedem novos esforços e criatividade, concomitantemente nos oferecem oportunidade para rever rumos e desfazer ilusões. Cadeias produtivas extensas não são nada sustentáveis, pois o gasto de natureza é descomunal! A lógica de mercado vê apenas $. Qual o custo ambiental das extensas lavouras de soja nos solos ácidos do Cerrado?

Padecemos da ausência de ordenamento territorial que leve em conta as potencialidades e vulnerabilidades ecológicas e econômicas de cada região, bem como os anseios e necessidades da população. O Poder Público tem sido historicamente omisso nesse sentido.

Ocupou-se o território à mercê dos ciclos econômicos ditados por demanda internacional. Desde o pau-brasil, passando pela cana-de-açúcar, ouro, café, borracha, gado, minério de ferro, e atualmente soja, fumo, milho, carne, madeira, minérios e cana-de-açúcar outra vez. Parafraseando Carlos Drummond de Andrade, “Para que tanta cana, meu Deus, pergunta meu coração / Porem meus olhos não perguntam nada” (Poema de “Sete Faces”).

O biorregionalismo prioriza produção e circulação de mercadorias nas escalas local e regional, evitando as grandes distâncias. Mantém a economia de mercado, permitindo a estruturação de cooperativas comunitárias e empresas familiares. Propõe a substituição da acumulação ilimitada pela ética da suficiência.

“É na biorregião que a sustentabilidade se faz real, e não retórica, a serviço do marketing” (Leonardo Boff). Já as baratinhas francesas… Elas continuarão nos menus. Pas grave!

(*) Perci Guzzo é ecólogo e mestre em Geociências e Meio Ambiente.

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