sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Chico Mendes e Mário de Andrade

por Perci Guzzo * 



Mário de Andrade estabeleceu intensa correspondência com escritores e artistas. As cartas são parte importante de sua obra. O escritor paulistano faleceu em 1945; tinha apenas 51 anos. Chico Mendes havia nascido no ano anterior em Xapuri, no Acre. Mário navegou o Rio Madeira, no Oeste amazônico, em 1927, e conheceu a dura realidade dos seringais onde Chico viveu. Não trocaram cartas, é certo, mas dois poemas do autor de Macunaíma os aproxi­mam: “Descobrimento” e “Acalanto do Seringueiros”. O ambienta­lista também morreu jovem: 44 anos. Foi assassinado em sua casa em 22 de dezembro de 1988, às vésperas de Natal.

Nos próximos dias 15 a 17 de dezembro ocorrerá na pequena Xapuri o “Encontro Chico Mendes”, organizado pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas, como objetivo de honrar a memória do líder seringueiro, celebrar seu legado e firmar compro­missos para os próximos 30 anos.

Quando Mário de Andrade excursionou pelo Norte, o modo econômico que funcionava nos seringais era o sistema de “barracão”. O látex coletado a partir da sangria das seringueiras – árvore nativa da Amazônia (Hevea brasiliensis) – era depositado em armazéns onde residiam os seringalistas. Estes, em troca, forneciam os bens de primeira necessidade para as famílias extrativistas. A conta nunca batia nesse modelo de servidão, pois os seringalistas contabilizavam seus lucros e mantinham os seringueiros endividados.

A partir da década de 70 a política de ocupação da região amazônica se dava com a construção de extensas estradas. O centro do poder era ocupado pelos militares. Tinha início um modelo agrícola equivocado. Desmatamento, grilagem de terras e pecuária extensiva ameaçavam as comunidades amazônicas.

No interior do Acre surgia uma maneira pacífica de se opor à destruição dos seringais e dos castanhais: o “empate”. Grupos de traba­lhadores da borracha, desarmados, com mulheres e crianças, se posi­cionavam em frente aos madeireiros contratados pelos pecuaristas para derrubar a mata. Conversando com os peões e a polícia, que eram seus conhecidos, pois viviam na comunidade, cada frente de desmatamento era abandonada. Fortalecia-se o protagonismo de líderes locais e sur­giam os sindicatos rurais. Chico Mendes passou a ser jurado de morte.

Em 1985, com o início da redemocratização do país, eram criadas as primeiras reservas extrativistas no Acre. As Resex, como são chamadas, é um modelo de exploração dos recursos naturais que fixa o homem na floresta, retira seus produtos (borracha, castanha e peixes) sem desmata­mento e mantém a propriedade pública das terras. Opõe-se ao modelo sulista e sudestino que derruba a floresta e vende a madeira – muitas vezes ilegalmente – e ocupa as terras com gado e soja.

Atualmente são dezenas de reservas pela Amazônia onde a floresta é explorada em pé. Persiste o desafio de agregação de valor dos produtos extraídos, uma vez que devem ser contabilizados os diversos impactos positivos deste modelo, dentre eles a fixação do carbono na biomassa, a conservação da biodiversidade e a manutenção do regime de chuvas.

O feito de Chico Mendes é reconhecido internacionalmente. Nos dias de sua morte, lembro-me claramente, a grande mídia brasileira só repercutiu o fato dias depois que a notícia correu o mundo.
Mário de Andrade era interessadíssimo na questão da cultura e da identidade nacional. De sua viagem pelo Amazonas, seu projeto de es­crever sobre “o herói sem caráter” foi revisto e finalizado. Macunaíma foi publicado em 1928, portanto há 90 anos atrás. O poema de sua autoria, transcrito a seguir, não lhes parece um susto que liga toda essa história?

“Abancado à escrivaninha em São Paulo / Na minha casa da rua Lo­pes Chaves / De sopetão senti um friúme por dentro. / Fiquei trêmulo, muito comovido / Com o livro palerma olhando pra mim. / Não vê que me lembrei lá no Norte, meu Deus! Muito longe de mim, / Na escuridão ativa da noite que caiu, / Um homem pálido, magro de cabelo escorren­do nos olhos / Depois de fazer uma pele com a borracha do dia, / Faz pouco se deitou, está dormindo. / Esse homem é brasileiro que nem eu…” (Descobrimento, Clã do Jaboti, 1927).

Imagens: 
Chico Mendes - Internet
Mário de Andrade - Enciclopédia Itaú Cultural


(*) Perci Guzzo é ecólogo e mestre em Geociências e Meio Ambiente.

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domingo, 4 de novembro de 2018

Na neblina

por Perci Guzzo * 



Me pediu que escrevesse sobre icebergs. Juntos definimos o termo: massa de gelo flutuante que se desprendeu de uma geleira e que agora é levado pelo mar. Em seguida pronunciei “insel­berg”! Me perguntou o significado. Disse-lhe que iria pesquisar… Consultei Antonio Christofoletti, “Geomorfologia”, autor reco­nhecido sobre estudos do relevo no Brasil. Talvez tenha sido com ele que ouvi pela primeira vez o termo em uma de suas palestras quando cursava Ecologia na UNESP, em Rio Claro.

Aqui está! Inselberg é um relevo residual que apresenta forma de crista ou cúpula em meio a uma superfície plana. Trata-se de uma saliência na paisagem, resultado de erosão ou de soerguimento da crosta por atividade geológica. A Serra do Imeri, por exemplo, onde está o Pico da Neblina, a 2.995 metros de atitude, é uma montanha-ilha na vastidão da pla­nície amazônica. Na língua ianomâmi, o ponto mais alto do Brasil recebe o nome de “Yaripo”, cujo significado é “monta­nha do vento”. É no seu topo que anciões trocam de mundo e se entendem com os espíritos.

Inselberg não deixa de ter o mesmo sentido de iceberg: formas de rocha e de gelo que se projetam acima de uma superfície plana.

A face do Yaripo que dá para a Venezuela é vertical; um abismo que nos põe cientes da nossa pequenez humana. Qual é nosso tamanho para compreendermos e nos solidari­zarmos com nossos vizinhos? Do outro lado das escarpas do Escudo das Guianas, há também uma nação em crise, com seus problemas peculiares e civilizatórios. Envolto em nuvens que vêm e vão, nos píncaros da Neblina, nesses momentos da vida em que não se consegue enxergar um palmo à nossa frente, os próximos passos merecem atenção total. Ninguém sai vitorioso de guerras, a não ser a indústria armamentista e as nações que as fornecem.

Nos jardins de altitude são encontradas espécies raras e belas que ocorrem exclusivamente nessas geografias. É o que revelam expedições feitas nos últimos anos por pesquisadores brasileiros em locais de difícil acesso como as serras do Cabu­raí, Aracá e Imeri. Está previsto para 2019 o início das visita­ções guiadas pelos Yanomami ao ponto mais alto do Brasil.

Aqui no Centro-Sul temos as florestas nebulares. Pesquisas recentes dão conta que algumas espécies de árvores em condições de escassez hídrica no solo, bebem água das nuvens. Isto ocorre através da superfície das folhas. A água é conduzida pelos galhos e tronco até as raízes. É assim que riachos que nascem a mais de 1.500 metros de altitude permanecem perenes.

– Eu só pego o ar das montanhas. Eu adoro aqueles picos altos em Teresóplis.
– O Dedo de Deus.
– Picos. Pico Boulevard.
Esse pequeno diálogo entre Tom Jobim e Elis Regina an­tecede a belíssima gravação da balada jazz “Inútil paisagem”, feita em 1974 em plena ditadura civil-militar.

Na subida de Parati em direção a Cunha, atravessamos uma extensa neblina. Mata úmida repleta de bromélias, orquí­deas e canto de passarinhos. Nuvens finas e frias na estreita estrada percorrida pelo automóvel cansado. Logo depois o presente: vento fresco, céu azul, uma cachoeira e as primeiras araucárias.

Os dois índios xinguanos em pé na pequena canoa remam no mesmo sentido. A réplica da foto de Sebastião Salgado afixada na parede do meu quarto lembra-me todas as noites que o desafio é atravessar a neblina.

Dedico este artigo a Adjan Marques Lobo.


(*) Perci Guzzo é ecólogo e mestre em Geociências e Meio Ambiente.

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quinta-feira, 18 de outubro de 2018

A temperatura também sobe nas eleições

por Perci Guzzo *

(Postagem original em 05/10/2018)



Nos debates entre os presidenciáveis e nas entrevistas aos jor­nalistas, o tema das mudanças climáticas não tem sido abordado e discutido como merece. Tão pouco os outros problemas ambientais. É gritante não se ouvir uma palavra sobre propostas e desafios para a região amazônica, por exemplo. Mas os projetos de governo dos candidatos à presidência tratam, bem ou mal, desses assuntos, e fo­ram protocolados junto à Justiça Eleitoral. Quantos de nós acessam tais informações?

O Observatório do Clima (OC), uma coalização de organizações da sociedade civil que acompanha as mudanças climáticas no país, publicou o posicionamento dos candidatos em relação ao que pre­tendem fazer perante as causas e os efeitos do aquecimento global. Há propostas muito oportunas como aquelas que apontam uma economia diversificada, de baixo carbono, com a oportunidade de geração de milhares de empregos na lógica da sustentabilidade. Por outro lado, por parte de alguns postulantes ao Palácio do Planalto, nota-se o desprezo pelo assunto e ideias retrógradas que se coloca­das em prática desestabilizarão o funcionamento das sociedades e de seus ambientes.

Convido o leitor que valoriza a qualidade de vida da atual e das futuras gerações que visite o site www.observatoriodoclima.eco.br com o objetivo de avaliar a posição de seu candidato perante assunto relevante para a humanidade.

O Acordo de Paris foi firmado em 2015 com a meta de conter o aquecimento do planeta em no máximo 1,5ºC a temperatura média global até o final deste século. Desta maneira, segundo os estudiosos da área, os ecossistemas terão condições de se adaptarem às mudan­ças ambientais provocadas pela nova condição climática. O Brasil assumiu o compromisso das seguintes metas até 2030: diminuir em 43% a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE); obter 45% de sua energia por meio de fontes renováveis, incluindo a hidroeletricidade; zerar o desmatamento ilegal e restaurar 12 milhões de hectares de florestas.

No Brasil o Acordo foi ratificado em 2016 e promulgado em 5 de junho de 2017, passando a ter força de lei. Quem abandonou o propósito mútuo firmado na ONU, advogando “ameaça à soberania nacional”, contribui para o enfraquecimento do multilateralismo, principal mecanismo que pauta as relações diplomáticas entre as nações. Assumir um projeto coletivo dessa grandeza é tarefa para pessoas e nações à frente de seu tempo.

A alteração do uso da terra, ou seja, o desmatamento, repre­senta metade das emissões brutas de GEE no Brasil, seguido pela atividade agropecuária com 22%, o setor energético com 19%, e as indústrias e a geração de lixo com 4% cada um. As emissões de CO2, CH4, N2O e os outros gases de efeito estufa, são mensuradas por meio de protocolos técnicos e é expressa em MtCO2e. Quando se corta a floresta, o cerrado, a caatinga e os campos naturais para dar lugar à pecuária, à agricultura e à urbanização, o CO2 que estava preso na biomassa é liberado para a atmosfera.

As principais emissões vindas do setor agropecuário, além do desmatamento para expansão da fronteira agrícola, é a fermentação entérica que ocorre nos bovinos ruminantes que produz metano (CH4) – pum da vaca – e a aplicação de fertilizantes nitrogenados nos solos para “adequá-los” à produção de grãos.

A temperatura subirá ainda mais no segundo turno das eleições e o país já está visivelmente febril. Nós estamos ficando doentes como sociedade e isso traz muito sofrimento.“Vontade de beijar os olhos de minha pátria. De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabe­los…” (Vinícius de Moraes, Pátria Minha).

(*) Perci Guzzo é ecólogo e mestre em Geociências e Meio Ambiente.

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sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Gigantes do Bosque

por Perci Guzzo * 



As secretarias municipais de Educação e do Meio Ambiente de Ribeirão Preto, com a colaboração do professor e biólogo Marcelo Pereira da USP, lançam orgulhosamente neste 21 de setembro, Dia da Árvore, o livro “Gigantes do Bosque: árvores do Parque Municipal do Morro de São Bento”. Trata-se de pu­blicação elaborada com muita competência técnica e artística. O resultado é uma obra vocacionada a valorizar os atributos natu­rais do município, bem como, a estimular e subsidiar atividades de educação ambiental.

O percurso histórico de criação do Parque Municipal do Morro de São Bento é tratado no primeiro capítulo. No final do século XIX, a área então conhecida como “Morro do Cipó” e “Parque do Tamboril”, já era utilizada publicamente para ativi­dades de lazer ao mesmo tempo que preservava a mata natural. A Prefeitura, a Câmara e a população, ao longo do século XX, reforçaram o caráter público do maior e mais importante espaço de contato com a natureza no ambiente urbano.

Na atualidade está em curso a revisão do seu Plano de Ma­nejo, documento técnico que define como proteger, utilizar e gerenciar a área. Desde o final da década de 90, período em que foi elaborado, o plano teve sua implantação apenas de modo par­cial. A gestão e o manejo que o complexo de espaços do Morro do São Bento precisa, incluindo Bosque, Zoológico, Cava, teatros de Arena e Municipal, passa por vontade política, investimen­to público, e capacidade técnica e administrativa. Os espaços visitados do parque devem manter-se acessíveis à população de baixa renda.

Mas a herança em nosso território de uma área natural como o Morro do São Bento tem outras datas: milhões e milhares de anos numa escala de tempo não histórica, mas sim geológica e biológica. Esse é tema do segundo e do terceiro capítulos do livro: a formação geológica e do relevo, os tipos de solos e a evolução das fisionomias de vegetação. Vale lembrar que esta área é a única Unidade de Conservação municipal, cuja categoria é “parque natural”.

Embora o município possua dispositivos legais fortes de prote­ção dos remanescentes de matas e cerrados, o Poder Público não instituiu ao longo do tempo novas áreas destinadas à proteção da biodiversidade. Temos outras heranças com vocação de proteção integral e de uso sustentado no território do município. Para citar dois exemplos, nas divisas com Serrana e Guatapará, próximo aos ribeirões do Tamanduá e da Onça, respectivamente, temos duas áre­as com grande potencial para se tornarem unidades de conservação.

O quarto e último capítulo traz informações e ilustrações de 25 espécies arbóreas de grande porte que ocorrem no Bosque Muni­cipal. Para cada tipo de árvore são dedicadas duas páginas: uma que descreve características morfológicas, distribuição geográfica e curiosidades da espécie, e outra com fotografias do tronco, folhas, flores, frutos e sementes. A contribuição relevante destas pranchas está no fato de permitir o reconhecimento dessas espécies pelo leitores e educadores ao visitarem o Bosque ou mesmo ao fazerem trilhas em outras florestas ainda preservadas em nossa região.

“Gigantes do Bosque” é uma publicação comprometida com a proteção do meio ambiente. Neste 21 de setembro de 2018 temos conteúdo para comemorar a presença benéfica das árvores em nossas vidas. Maior que o orgulho do livro em si, é o orgulho de termos: alecrim-de-campinas, amendoim-bravo, angico, aroeira, cabreúva, cajá-mirim, canafístula, cedro, chichá, embaúba, fari­nha-seca, guapuruvu, guaritá, jacarandá, jatobá, jequitibá-branco, jequitibá-rosa, paineira, pau-brasil, pau d’álho, pau-ferro, pau-perei­ra, peroba-rosa, rabo-de-peixe e tamboril.


“É pau pereira, é pau pereira
É um pau de opinião
Todo pau fulora e cai
Só o pau pereira não”

(cantiga popular/ autora desconhecida)


(*) Perci Guzzo é ecólogo e mestre em Geociências e Meio Ambiente.

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quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Sopa rala de plástico

por Perci Guzzo *



Estima-se que oito milhões de toneladas de lixo são lançados anualmente nos mares. A onipresença do plástico em relação aos demais resíduos sólidos – papel, papelão vidro e metais – é indiscutível. A desintegração desse material resistente, leve e durável, pode levar de 450 anos a nunca. Nos últimos anos foram descobertas imensas quantidades em inúmeros cantos do planeta, tanto no leito como na superfície, tornando nossos oceanos sopas ralas de plástico.

Como não nos preocupamos com o que acontece com o canudinho, o copinho e a sacolinha, após o cumprimento de sua efêmera função, estamos gerando um problema ambiental de proporções semelhantes às mudanças do clima.

Os animais marinhos e costeiros estão sendo impactados dire­tamente. Moluscos, peixes, tartarugas, aves e baleias, ao ingerirem pedaços de plástico que se assemelham a alimentos, sentem uma falsa sensação de saciedade e se mantém esfomeados, fracos e letárgicos. A Campanha “Mares Limpos” das Nações Unidas tem como um de seus slogans a mensagem “Até 2050 poderemos ter mais plástico do que peixes no mar”.

Pesquisadores se debruçam atualmente para avaliar se os nanoplásticos – partículas invisíveis resultantes da fragmentação pela ação do calor, do vento e das ondas – podem romper a bar­reira das células e se acumularem em tecidos e órgãos de peixes que nos servem de alimento.

Como podemos lidar com tudo isso?

O recolhimento regular de lixo deve ser ampliado, chegando aos locais onde ainda não há coleta. A disposição final deve ser em aterros sanitários ou em usinas de reciclagem. O setor privado precisa tornar-se co-responsável nessas tarefas junto ao Poder Pú­blico, considerando que é parte causadora do problema. São em­presas que produzem, comercializam e lucram com embalagens. É preciso evitar que o plástico chegue aos rios, lagos e mares.

Alternativas por plásticos que se harmonizam com a biosfera estão sendo testadas como polímeros sintetizados a partir de micro-organismos e que possam ser descartados em compostei­ras. No entanto, trata-se de alternativa que mantém a cultura do descartável. Um modelo de “economia circular”, no qual tudo é reutilizado e reciclado, talvez seja a maneira mais responsável de buscarmos solução para o problema.

Há ainda a possibilidade de taxação do plástico de uso único – pratos, talheres, canudos, copos, sacolas, caixinhas de isopor para alimentos e sachês – como anunciou o governo britânico recen­temente. Outros países como Costa Rica e França se propõem a banir o plástico de uso único até 2025. Empórios e seções de supermercados com produtos a granel, sem embalagens, é um forte apelo a comunidades que desejam contribuir para redução desses resíduos.

Desde o início de junho deste ano iniciei minha recusa ao plástico de uso único. Tem sido uma tarefa que implica em vários “nãos” ao longo do dia. Na minha mochila carrego caneca para água, colherzinha de pau para misturar o açúcar no café e sacolas já usadas. Há um movimento crescente no mundo pelo “desperdício zero”. Sinto que estou me aliando a ele à medida que mergulho mais profundamente nesse tempo histórico em que vivo. Você engrossa esse caldo comigo?

(*) Perci Guzzo é ecólogo e mestre em Geociências e Meio Ambiente.

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quarta-feira, 25 de julho de 2018

Biorregionalização

por Perci Guzzo *



É verdade! Ontem no almoço comi arroz com atemoia e abacate. E na última garfada veio uma baratinha francesa tostadinha. Creio que fossem os mantimentos que haviam à disposição na cozinha do restaurante “vegetariano” taiwanês. O sal rosa do Himalaia, o feijão carioquinha do Rio Grande do Sul e o chuchu do Amapá não chegavam até a despensa do sr. Lee Ping Pong desde quarta-feira retrasada devido à greve dos caminhoneiros.

Come-se o que tem; as frutas da estação; por que, não? As cidades importam do meio natural e rural quantidades fabulosas de insumos para se manterem funcionando, principalmente alimentos, combustíveis, eletricidade e água. Processam essa gama de energia e matéria para fazer funcionar toda a engrenagem das atividades humanas. E assim, geram e exportam gases tóxicos, fuligem, ruídos, esgotos domésticos, efluentes industriais e lixo; muito lixo! Extensas áreas são impactadas pelos resíduos de uma metrópole. Esse é o conceito de metabolismo urbano.

Nos dias de crise pelo desabastecimento de combustível, ao perceber a escassez de alimentos perecíveis nos mercados e quitandas, pensei de imediato que a produção de alimentos do sítio Divindade, localizado entre Sales Oliveira e Jardinópolis, poderia me socorrer. Xuva, cadê você? Uma outra amiga sugeriu que fôssemos para seu quintal ampliar a produção de folhas, legumes e raízes. Acostumei com a ideia de fazer os trajetos do dia-a-dia de bicicleta e a pé. Ainda mais agora que o quadril e joelhos estão ótimos!

As crises nos pedem novos esforços e criatividade, concomitantemente nos oferecem oportunidade para rever rumos e desfazer ilusões. Cadeias produtivas extensas não são nada sustentáveis, pois o gasto de natureza é descomunal! A lógica de mercado vê apenas $. Qual o custo ambiental das extensas lavouras de soja nos solos ácidos do Cerrado?

Padecemos da ausência de ordenamento territorial que leve em conta as potencialidades e vulnerabilidades ecológicas e econômicas de cada região, bem como os anseios e necessidades da população. O Poder Público tem sido historicamente omisso nesse sentido.

Ocupou-se o território à mercê dos ciclos econômicos ditados por demanda internacional. Desde o pau-brasil, passando pela cana-de-açúcar, ouro, café, borracha, gado, minério de ferro, e atualmente soja, fumo, milho, carne, madeira, minérios e cana-de-açúcar outra vez. Parafraseando Carlos Drummond de Andrade, “Para que tanta cana, meu Deus, pergunta meu coração / Porem meus olhos não perguntam nada” (Poema de “Sete Faces”).

O biorregionalismo prioriza produção e circulação de mercadorias nas escalas local e regional, evitando as grandes distâncias. Mantém a economia de mercado, permitindo a estruturação de cooperativas comunitárias e empresas familiares. Propõe a substituição da acumulação ilimitada pela ética da suficiência.

“É na biorregião que a sustentabilidade se faz real, e não retórica, a serviço do marketing” (Leonardo Boff). Já as baratinhas francesas… Elas continuarão nos menus. Pas grave!

(*) Perci Guzzo é ecólogo e mestre em Geociências e Meio Ambiente.

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terça-feira, 10 de julho de 2018

Boqueirão da Onça

por Perci Guzzo *



– Perci, você sabe qual o lugar mais ermo do Brasil?

– Ah, Raimundo, deve ser algum canto da Amazônia ou do Pantanal.

–Se você quer conhecer o sertão mesmo, vá à Serra das Confusões, no Sudoeste do Piauí. Um misto de caatinga e cerrado onde ainda há mais onça do que gente.

Gravei para sempre esse pedaço de prosa que tive com o amigo às margens do Rio Parnaíba, em Teresina. Guardei também a vontade de conhecer as Confusões.

Numa passagem de ano em uma fazenda no Sul de Goiás, senti medo de onça. Ao fazer sozinho um trajeto no meio do cerrado, por uma trilha estreita, imaginei onça pintada me surpreendendo com um urro. Votei! É que o dono daquelas terras havia me dito que no lajedo da Pedra do Guardião dormia jaguaretê.

Voltando de Corumbá para Campo Grande, quando trabalhava no Mato Grosso do Sul, em noite de lua cheia, seu Gumercindo, o motorista, parou o automóvel no meio da estrada de repente… Os colegas de trabalho dormiam no banco de trás… Após alguns minutos, vi onça pinima cruzando a estrada poucos metros à frente. Ao lado, um bando de capivaras pulava rapidamente para dentro de uma lagoa.

A última grande área contínua de Caatinga no Nordeste está mais protegida a partir da criação do Parque Nacional do Boqueirão da Onça e da Área de Proteção Ambiental de mesmo nome. São 850 mil hectares no Norte da Bahia onde estão desfiladeiros, cavernas, pinturas rupestres, riquíssima biodiversidade e comunidades quilombolas. A região possui grande potencial ecoturístico.

A iniciativa é do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) por ocasião do Dia Nacional da Caatinga, comemorado no último 28 de abril. Esta região do semiárido é refúgio da onça pintada (Pantheraonca), o maior felino das Américas; espécie criticamente ameaçada de extinção.

A caça tem sido o motivo principal da drástica diminuição de suas populações. Em função da destruição de seu habitat e da dificuldade de encontrar presas, é comum o jaguar procurar por alimento nas propriedades rurais. A caça retaliatória tem motivado trabalhos educativos junto às comunidades que vivem próximas às áreas de ocorrência do bicho.

No Boqueirão da Onça tem também gato-mourisco, gato-do-mato, tatu-bola, tamanduá-bandeira e duas espécies de aves em risco de extinção: a arara-azul-de-lear e o jacu-estalo. Importantes nascentes irrigam o solo seco do sertão, garantindo condições de vida para as comunidades de fundo de pasto. Modelo agrário típico das caatingas, que se caracteriza pela posse e uso comunitário da terra e de seus recursos.

Para o Semiárido Nordestino estão previstos períodos mais longos de seca em função das mudanças no clima global. Desde 2012 a região passa por déficit hídrico, seja pela escassez de chuvas, seja pelas altas taxas de evaporação do solo. O sertanejo jamais viu tamanha aridez! Os motivos de desmatamento na Caatinga são a produção de lenha e a expansão do cultivo de grãos. Áreas vulneráveis à desertificação aumentam. O semiárido brasileiro é o mais povoado do mundo! Quiçá o conteúdo desse parágrafo fosse apenas uma nuvem escura carregada de água no sertão de Umburanas (BA).

Soroca é toca de onça. É fenda feita na terra por água de chuva que infiltra até o subsolo. É lugar fresco, bom para criar oncinhas.

Só aqui em casa crio três: Cuca, Bambino e Alice. “O sertão está em toda parte. O sertão está dentro da gente” (Guimarães Rosa).

(*) Perci Guzzo é ecólogo e mestre em Geociências e Meio Ambiente.


quinta-feira, 14 de junho de 2018

Regulamentação da PEEA

No último 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, depois de onze anos de espera, finalmente tivemos a nossa Política Estadual de Educação Ambiental - PEEA regulamentada. 

A PEEA, Lei Estadual nº 12.780/2007, é o resultado de muitos anos de lutas e esforço da REPEA - Rede Paulista de Educação Ambiental. Uma história iniciada entre os anos 80 e 90, com educadores e educadoras ambientais participantes de movimentos sociais, ONGs e universidades. Em 2007, durante o III Encontro de Educação Ambiental da REPEA, ocorrido em São José do Rio Preto, foi finalizada a minuta que resultaria na PEEA. A construção do então projeto de lei aconteceu de forma democrática e participativa, resultando num documento que trazia os anseios de educadores e educadoras ambientais do estado de São Paulo. O PL foi sancionado pelo governador em dezembro do mesmo ano, tendo, porém, quase metade dos seus artigos vetados. 

No momento atual, junto com a regulamentação da PEEA, foi criada a CIEA - Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental, instância importantíssima no diálogo entre governo e sociedade civil. Tanto a regulamentação quanto a CIEA também foram grandes esforços da REPEA, cuja luta agora no final do processo recebeu apoio e articulação dos técnicos e educadores da  CEA - Coordenadoria de Educação Ambiental, da Secretaria do Meio Ambiente - SMA.

Os próximos passos da REPEA em conjunto com a CEA são a construção da CIEA como espaço educador democrático e interlocutora do Estado junto ao Governo Federal, conforme o Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA) e a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei  Federal nº 9795/99).

Clique para conhecer na íntegra o Decreto Regulamentador nº 63.456/2018.


Técnicos e educadores da CEA


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segunda-feira, 7 de maio de 2018

Agroecologia

por Perci Guzzo *



Há vários problemas brasileiros alardeados pela imprensa. Há outros tantos silenciados. A “terra preta” é um solo muito fértil encontrado na Amazônia em locais onde havia presença humana. Povos indígenas primitivos souberam extrair da natureza, enriquecer o solo e manter a floresta.

A agroecologia difere da agricultura convencional pela maior garantia de proteção dos recursos naturais e da produtividade agrícola a longo prazo, pelo uso mínimo ou ausente de agroquímicos – fertilizantes e agrotóxicos, e pela satisfação das necessidades humanas de alimento e renda.

Nos últimos anos tem sido expressiva a demanda por alimentos orgânicos, bem como sua produção e comercialização. É uma forte tendência de mercado; semente e fruto de uma nova consciência.

Munique na Alemanha, em seu zoneamento ecológico-econômico, destinou parte de seu território para uso exclusivo de produção de alimentos orgânicos. Terras onde estão localizadas nascentes e berços de água que abastecem a cidade. Implantou política governamental com investimentos para incentivar proprietários a produzirem sem uso de veneno.

A porção Leste e Nordeste de Ribeirão Preto, onde ocorre a recarga do Aquífero Guarani pode ser destinada à produção de alimentos orgânicos. O debate se é melhor ocupar com cana-de-açúcar ou construção civil deve ser superado. O cultivo da cana consome muita água e emprega agrotóxicos, contribuindo com a super-exploração e a contaminação do aquífero. A urbanização impermeabiliza grandes áreas, impedindo a infiltração natural da água da chuva para os lençóis profundos.

A duplicação da avenida Antônia Mugnato Marincek, sobretudo do trecho a partir da Capela Santa Rita de Cássia das Palmeiras, tem o objetivo de levar mais empreendimentos imobiliários para a Zona Leste. Mais impacto na área de recarga. Há residências vazias de sobra em Ribeirão. O que não há é política habitacional que ajude famílias pobres a adquirirem moradias.

Em 2017, a professora Larissa Miles Bombardi, do Departamento de Geografia da USP, lançou o Atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”. Dentre tantos dados alarmantes, chama atenção o crescimento exponencial do emprego de agroquímicos e os casos de intoxicações e mortes no campo. Em média 15 notificações por dia! Para cada morte por conflito de terra, cinco morrem pelo uso excessivo de “defensivos agrícolas” nas culturas de soja, milho, cana, algodão, café e citrus.

Como estará a situação para hortaliças, frutíferas e outras culturas?
Em nossa região, a Fazenda São Luiz, localizada entre São Joaquim da Barra e Morro Agudo, tem ocupado parte de suas terras com o sistema agroflorestal, um modo de produzir alimentos e conservar a terra. Os resultados dessa empreitada já somam 21 anos e vêm alcançando locais distantes do Brasil. Recentemente, o Mutirão Agroflorestal compartilhou conhecimentos e práticas com o povo Yawanawa, na Terra Indígena Nova Esperança, no Acre. Meu coração pulsou mais forte ao ver as imagens desse intercâmbio postadas em rede social!

Que doenças estão sendo desencadeadas precocemente a partir do uso excessivo de agrotóxicos? Quantos corações brasileiros no campo e na cidade têm sido silenciados por esse motivo?

(*) Perci Guzzo é ecólogo e mestre em Geociências e Meio Ambiente.



quarta-feira, 18 de abril de 2018

IV EMEA - Como foi

Nos dias 3, 16 e 17 de março, aconteceu a quarta edição do EMEA - Encontro Municipal de Educação Ambiental.

O IV EMEA teve duas etapas. Na primeira, a expedição Água de Ribeirão Preto, realizada no dia 3 de março como preparação do encontro, permitiu que os participantes pudessem conhecer alguns córregos da cidade e o ribeirão Preto, bem como constatar a situação na qual se encontram. Foram percorridos dois trajetos diferentes, um pela manhã e outro à tarde. As visitas trouxeram muitos diálogos, reflexões e conhecimentos de onde se localizam esses corpos d'água e da população do entorno.

(Clique nas imagens para ampliar)







Veja mais fotos da expedição aqui neste link.

O vídeo abaixo fala sobre o porquê da expedição e um pouco do que foi visto:


A segunda etapa, nos dias 16 e 17 de março, teve uma programação extensa, cujo propósito foi fortalecer vínculos com todos que desejam viver em um território onde as águas e os demais elementos da natureza estejam protegidos como um bem coletivo.

Cerca de 90 pessoas participaram ativamente do encontro, entre educadores e educadoras ambientais, estudantes, gestores públicos, professoras, guardas municipais, lideranças comunitárias e demais interessados. Foram apresentados 18 trabalhos, os quais trouxeram a oportunidade de troca de experiências entre os participantes e a abertura do diálogo sobre a PMEA - Política Municipal de Educação Ambiental.

Antônio Carlos Squilaci Júnior dialogando sobre a expedição Água de Ribeirão Preto 















Rodas de conversa sobre o papel da Educação Ambiental no contexto Água

Qual a sua gota de contribuição?





































Além disso, houve também apresentação do vídeo da expedição, exibição de diálogos sobre as águas da cidade, mesa temática sobre Políticas Públicas, com a participação do Prof. Marcos Sorrentino e representantes da esfera municipal e sociedade civil, feira de trocas e de produtos agroecológicos, melipolinicultura, dentre outras.

As atividades culturais contaram com a apresentação brilhante da dupla de violeiros Joaquim e José, a esquete Cunversa di Cumpadi e o encerramento com as Danças Circulares.

Representantes das secretarias municipais de educação e meio ambiente,
Simone Kandratavicius pela sociedade civil e Prof. Marcos Sorrentino 
na mesa temática sobre Políticas Públicas














Produtos agroecológicos do assentamento Mário Lago

Troca de sementes, livros e outros produtos

Dupla Os Caipiras com a esquete Cunversa di Cumpadi
Encerramento com as Danças Circulares trazidas por Edna Costa

Durante todo o evento foi dado destaque e realizada mais uma etapa de Consulta Pública da minuta da PMEA - Política Municipal de Educação Ambiental, elaborada de forma participativa desde o III EMEA, em 2010, a qual encontra-se já aprovada pelo COMDEMA - Conselho Municipal de Meio Ambiente e CME - Conselho Municipal de Educação. Conheça a minuta da PMEA aqui neste link.

Apresentação de trabalhos

Equipe organizadora do IV EMEA



Como produto e encaminhamentos deste IV EMEA, tivemos os seguintes documentos:

- Carta do IV Encontro Municipal de Educação Ambiental. (Conheça a carta clicando neste link).

- Moção que solicita a aprovação da PMEA pelo poder executivo e legislativo, revogando a existente.

- Moção ao poder público solicitando que seja dada prioridade à área da Lagoa do Saibro (Parque Ecológico Guarani) como local de imenso valor cultural para a sociedade e importante para a conservação do aquífero Guarani, visto seu grande potencial como ferramenta de sensibilização da população e de Educação Ambiental.
















A continuidade das ações propostas como resultado do IV EMEA será animada e realizada por meio da rede ProsEAndo de Educação Ambiental de Ribeirão Preto, espaço de encontros e articulação entre os diversos atores do município.

Veja mais fotos do IV EMEA neste link.

Assista ao vídeo do IV EMEA com depoimento de educadores e educadoras ambientais de Ribeirão Preto, participantes e convidados:



Imagens: Mandala Filmes

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